Parece que o inglês está dominando o kpop e deixando algumas pessoas confusas já há algum tempo. Inúmeros fãs levantam discussões na internet quando, por exemplo, um artista entra em uma lista de kpop com uma música inteiramente em inglês – e esse tópico é bem mais profundo do que parece.
O inglês sempre esteve presente de alguma forma
Desde a sua estreia, o kpop tem mostrado nos títulos de suas músicas e em alguns trechos a língua inglesa. E, para os sul-coreanos, não é de se estranhar ter algumas palavras nessa língua, já que ela está presente no cotidiano com suas devidas adaptações.
Um artigo científico aponta que a primeira escola de inglês na Coreia do Sul surgiu em 1883 e, desde então, mesmo não sendo uma língua dominante entre a população, os coreanos investem muito dinheiro em seu estudo por lá.
Mas, apesar dessa realidade, também ouvimos idols das primeiras gerações falando sobre as dificuldades de interpretar canções em inglês. Eles até mesmo se referem a suas próprias letras e músicas pelo nome coreano, e não em inglês, como muitas vezes nós, fãs internacionais, lembramos.
Se a princípio o kpop tinha um caráter libertador de censuras, e até por conta disso se vestia de um mix cultural, hoje (e já há muitos anos), sua intenção de fato é a globalização. É um dos produtos mais rentáveis do país¹, e fazer essas conexões com outros povos através de uma língua majoritariamente falada é sim um ponto positivo.
Porém, se pensarmos no debut japonês, que faz com que artistas que cantam em coreano passem a cantar em japonês, focando nesse que é o segundo maior mercado musical do mundo, podemos chegar em questões interessantes.
O histórico tem um papel considerável
Entrar no país vizinho com a mesma bagagem sociocultural, especialmente considerando seus históricos, não traria bons resultados. Por isso, quando um grupo de kpop interpreta uma música inteiramente em japonês, com toda a sua campanha de marketing voltada a esse país, estamos falando, na realidade, de jpop.
É da mesma forma que uma música cantada inteiramente em inglês não deveria ser referenciada como kpop. Alguns grupos como o Katseye e o dearALICE, por exemplo, buscam leve ou grande inspiração na hallyu para seus trabalhos, mas não consideramos como kpop justamente por não apresentarem músicas em coreano.
Pode-se acrescentar mais: o kpop realmente começou com inspirações ocidentais, mas isso nunca tirou a sua originalidade. Fãs das antigas podem confirmar como uma canção de 2000 ou 2010 era realmente diferente dos trabalhos mais recentes. E já nem se fala mais somente sobre as batidas aqui.
E há problemas sobre o inglês estar dominando o kpop?
Se entendemos o debut japonês, como comentado acima, como um trabalho de um grupo de kpop em outra língua, por que se aplica outra lógica quando o assunto é a língua inglesa? Em outras palavras, se o jpop é diferente do kpop, as músicas inteiramente em inglês também são.
Essa lógica, que não serve para todos, inclusive já apareceu em entrevista com o grupo Blackswan, que atualmente não tem pessoas coreanas em sua formação. A repórter da CNN pergunta a elas onde está o “k” do Blackswan, e rapidamente a líder Fatou responde que está no fato de cantarem em coreano, já que “kpop” vem de “pop coreano”.
A proporção do inglês nas letras também tem aumentado consideravelmente. Algumas músicas já passam da metade em inglês, como “Python”, do GOT7, e outras são inteiramente em inglês, mas vendidas como “kpop”. E esse é o ponto mais importante. Não está em questão a existência desses trabalhos, mas a de usar a fama do kpop para vender algo que nem mesmo é em coreano.
Há quem afirme que, pela origem do kpop ter sido inspirada em culturas diversas, especialmente americanas, por conta de suas roupas e forte presença do hip-hop, ele é mesmo um produto ocidentalizado. Mas precisamos nos atentar ao fato de que a língua é uma característica cultural de peso, que identifica povos e conta suas histórias. Por isso, todo o esforço em se criar músicas nunca antes ouvidas em coreano foi também uma vitória conquistada pelo kpop.
Apesar desse parecer um tópico raso, está muito distante disso. As raízes de uma sociedade se constroem, da mesma forma, nas suas palavras. Defender que o kpop é feito de coreano é, portanto, algo realmente importante.